Não que de certa forma já não esperasse. O céu já mostrava seus sinais de que o dia chegava ao fim.
Mas quem pode controlar o dia ou a noite?
Quem pode impedi-los de ser quando estão resolutos de seu momento? Por isso
aprendemos a atravessá-los cordialmente, construindo nossas ações de maneira
que uma luta impossível não seja travada (humildes de nossa condição de
peregrinos). Para os dias de sol forte colocamos óculos que nos protejam de sua
arrogante imposição; para as noites, ligamos nossas luzes ou acendemos velas ou
lampiões. São apenas maneiras de lidarmos com cada qual.
Mas essa noite destoa daquelas que comumente
enfrentamos. Ela chegou com um negrume que pôs em dúvida até mesmo minha
presença. Minha consciência dizia que estava ali; meus olhos desmentiam, pois
se não me vejo é sinal de ausência. Mas o fato é que ela chegou e eu estava
ali. Minha desorientação foi tamanha que mal podia achar o rumo de volta. Não
havia para aonde olhar... era só escuridão. Caída como uma densa cortina, de um
negrume que mais parecia um abismo, essa noite, por ser tão sofrível, não
trazia consigo uma estrela sequer. Deixou-as todas para trás. Escondeu de mim
as galáxias e toda infinidade de mistérios que habitam a abóboda celeste e que
inspiram o berço de nossa imaginação.
Não era apenas uma noite. Era
verdadeiramente um luto caído sobre minha existência.
Compulsoriamente tenho que enfrentá-lo, ou melhor, experimentá-lo, porque não há
possibilidade de vitória numa lutas dessas. Posso apenas esperar. Esperar que
ela se compadeça de minha cegueira e que reascenda as estrelas em meu caminho
para que possa encontrar um novo dia. Caso contrário, viverei meus dias sem ver
a luz, tendo que acostumar-me a uma vida sem cores e sem beleza. Sem o canto
dos pássaros, sem o desabrochar das flores e sem aquela luz que faz de minha
vida um momento especial, como se seu brilhar concentrasse compenetradamente em
mim, dando-me a imaginativa pretensão de que brilha apenas em minha
direção.
Não é só dos dias que vive nossa
existência. Das noites também. Mesmo que passemos por ela ansiosos de que seu
apetite, não fosse a força de nossas luzes artificiais, não devore cada palmo
de chão diante e debaixo de nossos pés.
Glauco Kaizer
Bela reflexāo.
ResponderExcluirQuantas vezes passamos pelo dia temendo a escuridāo que se aproxima, porém ela se atencipa e chega ao meio dia. Faz desaparecer a esperança quase como mágica, levando quase tudo que ainda resta. A noite traz dor, mas também reflexāo.
Muitas vezes se nāo fosse "essa luz artificial", eu nāo teria adormecido.