segunda-feira, 14 de maio de 2012

A Noite


Não que de certa forma já não esperasse. O céu já mostrava seus sinais de que o dia chegava ao fim. Mas quem pode controlar o dia ou a noite? Quem pode impedi-los de ser quando estão resolutos de seu momento? Por isso aprendemos a atravessá-los cordialmente, construindo nossas ações de maneira que uma luta impossível não seja travada (humildes de nossa condição de peregrinos). Para os dias de sol forte colocamos óculos que nos protejam de sua arrogante imposição; para as noites, ligamos nossas luzes ou acendemos velas ou lampiões. São apenas maneiras de lidarmos com cada qual.
Mas essa noite destoa daquelas que comumente enfrentamos. Ela chegou com um negrume que pôs em dúvida até mesmo minha presença. Minha consciência dizia que estava ali; meus olhos desmentiam, pois se não me vejo é sinal de ausência. Mas o fato é que ela chegou e eu estava ali. Minha desorientação foi tamanha que mal podia achar o rumo de volta. Não havia para aonde olhar... era só escuridão. Caída como uma densa cortina, de um negrume que mais parecia um abismo, essa noite, por ser tão sofrível, não trazia consigo uma estrela sequer. Deixou-as todas para trás. Escondeu de mim as galáxias e toda infinidade de mistérios que habitam a abóboda celeste e que inspiram o berço de nossa imaginação.
Não era apenas uma noite. Era verdadeiramente um luto caído sobre minha existência. Compulsoriamente tenho que enfrentá-lo, ou melhor, experimentá-lo, porque não há possibilidade de vitória numa lutas dessas. Posso apenas esperar. Esperar que ela se compadeça de minha cegueira e que reascenda as estrelas em meu caminho para que possa encontrar um novo dia. Caso contrário, viverei meus dias sem ver a luz, tendo que acostumar-me a uma vida sem cores e sem beleza. Sem o canto dos pássaros, sem o desabrochar das flores e sem aquela luz que faz de minha vida um momento especial, como se seu brilhar concentrasse compenetradamente em mim, dando-me a imaginativa pretensão de que brilha apenas em minha direção. 
Não é só dos dias que vive nossa existência. Das noites também. Mesmo que passemos por ela ansiosos de que seu apetite, não fosse a força de nossas luzes artificiais, não devore cada palmo de chão diante e debaixo de nossos pés.

Glauco Kaizer

Um comentário:

  1. Bela reflexāo.
    Quantas vezes passamos pelo dia temendo a escuridāo que se aproxima, porém ela se atencipa e chega ao meio dia. Faz desaparecer a esperança quase como mágica, levando quase tudo que ainda resta. A noite traz dor, mas também reflexāo.
    Muitas vezes se nāo fosse "essa luz artificial", eu nāo teria adormecido.

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