A passagem que consta da
ressuscitação de Lázaro é muito alentadora. Não pelo fato apenas da volta de
Lázaro ao mundo dos vivos. Mas dilatando a compreensão desse registro sagrado,
vemos para além de uma ressurreição corpórea e compreendemos também o
significado de uma ressurreição existencial, no sentido de possibilidades que
foram impedidas por determinado tempo, mas que, pela voz que só pode cobrar
vida da morte, abre-se novamente um horizonte para que a vida seja inteiramente
vida, seguindo, assim, o seu curso e seu destino: ser vida.
Jesus chega numa casa que
respirava o infortúnio da morte e da separação. Pessoas reunidas que choravam
não apenas o morto, mas também a si mesmas pela falta daquele que se foi,
deixando planos e projetos de vida que não foram cumpridos. Já estavam ali a
alguns dias pranteando. O impacto não fora diferente para Jesus, que também chora
seu amigo. De fato a morte é deveras constrangedora. A morte é realmente
inconfundível. Ninguém imita a morte melhor do que ela mesma. Ela é o que é e
não outra coisa. Até mesmo aquele que nunca a presenciou, quando a presencia a
reconhece de chofre.
Quase toda a vizinhança de Lázaro
estava presente. Das irmãs e amigos bem próximos, para quem aquela perda era
irreparável; até aqueles que se presentificam como simples protocolo de
despedida, para quem um Lázaro vivo ou morto não fede nem cheira. Foram apenas
para cumprir seu protocolo social. Mas havia também aqueles, e eles sempre
existem, que foram se certificar de que o Lázaro morto estivesse mesmo morto. E
esse é o nosso ponto.
Do ponto de vista metafórico, à
semelhança daqueles que julgavam inverossímil a volta de Lázaro do reino dos
mortos, há aqueles que, presunçosamente, julgam e emitem um atestado de óbito
para alguns, afirmando que aqueles não servem a determinada tarefa. Sepultam as
possibilidades e potencialidades que desconhecem e que, por motivos que nos
negamos a meditar aqui, oferecem apenas seu pesar e sua vigília fúnebre. Não
choram a perda, tampouco sofrem a situação daquele atrás da porta do sepulcro.
Estão ali apenas para salvar sua consciência da indagação de todos em face de
sua ausência. Até mesmo carregam o morto e sua mortalha, mas são fracos para
chamar à vida. Sua força consiste apenas em afirmar aquilo que a morte
perpetrada já disse. A pedra posta no sepulcro quer dizer isso mesmo: assunto
encerrado! E assim julgam com sua sensibilidade indiferentista e colocam uma
pedra no assunto, sepultando não apenas as possibilidades daquela pessoa, como
também a própria pessoa. Um julgamento cruel e desumano, que constrange pessoas
cheias de vida a situações angustiantes: a de se sentirem sepultadas e atadas
pela mortalha do descrédito e até mesmo do desdém.
Porém, assim como naquela
passagem, Jesus de Nazaré crê na vida a despeito da morte, seja ela física ou
social. E apesar dos pedidos para deixar a coisa como está (já tem quatro dias
– cheira mal) ele não faz caso da morte e chama novamente Lázaro (e aqui você
pode colocar seu nome) à vida. É alçado
ao mundo dos vivos. E para quem o julgava decisivamente nas entranhas de morte,
o viu regurgitado do abismo da imprecisão para experiência interrompida do
“ser”. Lázaro, então, não somente vive sob o ponto de vista biológico. Renasce
para si e para tudo aquilo que deixou, como também para aquilo para o qual o
julgavam sepultado.
De vez em quando é assim. O
cortejo das carpideiras, daqueles que choram profissionalmente e não
fraternalmente a morte alheia, caçoam daqueles que, tomados de uma loucura
amorosa, acreditam em nossa volta das entranhas da morte e do esquecimento.
E os Lázaros são assim: mesmo
cientes da possibilidade de um novo morrer, saltam para fora às pressas, sem se
dar conta dos laços fortes da mortalha que ainda inibem seu caminhar. A melodia
da vida chama e eles não podem nada mais senão ouvi-la e dançá-la enquanto se
reconhecem no nome cobrado da boca do mestre, como quem diz: este sou eu e
nenhum outro.
Glauco Kaizer
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