terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Lázaro, sai para fora!


A passagem que consta da ressuscitação de Lázaro é muito alentadora. Não pelo fato apenas da volta de Lázaro ao mundo dos vivos. Mas dilatando a compreensão desse registro sagrado, vemos para além de uma ressurreição corpórea e compreendemos também o significado de uma ressurreição existencial, no sentido de possibilidades que foram impedidas por determinado tempo, mas que, pela voz que só pode cobrar vida da morte, abre-se novamente um horizonte para que a vida seja inteiramente vida, seguindo, assim, o seu curso e seu destino: ser vida.
Jesus chega numa casa que respirava o infortúnio da morte e da separação. Pessoas reunidas que choravam não apenas o morto, mas também a si mesmas pela falta daquele que se foi, deixando planos e projetos de vida que não foram cumpridos. Já estavam ali a alguns dias pranteando. O impacto não fora diferente para Jesus, que também chora seu amigo. De fato a morte é deveras constrangedora. A morte é realmente inconfundível. Ninguém imita a morte melhor do que ela mesma. Ela é o que é e não outra coisa. Até mesmo aquele que nunca a presenciou, quando a presencia a reconhece de chofre.
Quase toda a vizinhança de Lázaro estava presente. Das irmãs e amigos bem próximos, para quem aquela perda era irreparável; até aqueles que se presentificam como simples protocolo de despedida, para quem um Lázaro vivo ou morto não fede nem cheira. Foram apenas para cumprir seu protocolo social. Mas havia também aqueles, e eles sempre existem, que foram se certificar de que o Lázaro morto estivesse mesmo morto. E esse é o nosso ponto.
Do ponto de vista metafórico, à semelhança daqueles que julgavam inverossímil a volta de Lázaro do reino dos mortos, há aqueles que, presunçosamente, julgam e emitem um atestado de óbito para alguns, afirmando que aqueles não servem a determinada tarefa. Sepultam as possibilidades e potencialidades que desconhecem e que, por motivos que nos negamos a meditar aqui, oferecem apenas seu pesar e sua vigília fúnebre. Não choram a perda, tampouco sofrem a situação daquele atrás da porta do sepulcro. Estão ali apenas para salvar sua consciência da indagação de todos em face de sua ausência. Até mesmo carregam o morto e sua mortalha, mas são fracos para chamar à vida. Sua força consiste apenas em afirmar aquilo que a morte perpetrada já disse. A pedra posta no sepulcro quer dizer isso mesmo: assunto encerrado! E assim julgam com sua sensibilidade indiferentista e colocam uma pedra no assunto, sepultando não apenas as possibilidades daquela pessoa, como também a própria pessoa. Um julgamento cruel e desumano, que constrange pessoas cheias de vida a situações angustiantes: a de se sentirem sepultadas e atadas pela mortalha do descrédito e até mesmo do desdém.
Porém, assim como naquela passagem, Jesus de Nazaré crê na vida a despeito da morte, seja ela física ou social. E apesar dos pedidos para deixar a coisa como está (já tem quatro dias – cheira mal) ele não faz caso da morte e chama novamente Lázaro (e aqui você pode colocar seu nome) à vida.  É alçado ao mundo dos vivos. E para quem o julgava decisivamente nas entranhas de morte, o viu regurgitado do abismo da imprecisão para experiência interrompida do “ser”. Lázaro, então, não somente vive sob o ponto de vista biológico. Renasce para si e para tudo aquilo que deixou, como também para aquilo para o qual o julgavam sepultado.
De vez em quando é assim. O cortejo das carpideiras, daqueles que choram profissionalmente e não fraternalmente a morte alheia, caçoam daqueles que, tomados de uma loucura amorosa, acreditam em nossa volta das entranhas da morte e do esquecimento.
E os Lázaros são assim: mesmo cientes da possibilidade de um novo morrer, saltam para fora às pressas, sem se dar conta dos laços fortes da mortalha que ainda inibem seu caminhar. A melodia da vida chama e eles não podem nada mais senão ouvi-la e dançá-la enquanto se reconhecem no nome cobrado da boca do mestre, como quem diz: este sou eu e nenhum outro.

Glauco Kaizer

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